Contos de Kika

´´Educação, sempre. Imprescindível a simpatia. Talvez simplicidade, que não deve confundir-se com simplismo. A certeza de que um sobrenome ou um berço nos dão deveres, mais do que direitos. Com o mesmo à-vontade deve-se comer codornas com um príncipe e migalhas com um trabalhador do campo´´.

Matilde explica tudo isto a uma sobrinha usando uma voz serena sem ser paternalista, convicta sem ser irredutível. Concerta o vinco de suas calças elegantes, para que fique rigorosamente paralelo à canela, e roda no dedo um belo anel que lhe foi dado por uma avó, quando tinha 18 anos. Agora, passados quase 40, a jóia mantém a sua elegância discreta, sinal da atemporalidade de algumas coisas.

´´Uma vida discreta, sem alardes do que se tem ou faz. A discrição na revelação pública da sua vida, mantendo dentro de casa o que deve estar dentro de casa. Não evidenciar a diferença que diminui. Ser elogioso sem ser bajulador. Perceber a diferença entre requinte e ostentação, porque até na humildade se pode ser requintado. Vestir-se sobriamente, o que não é contraditório com elegância. O tom de voz certo e uma linguagem adequada, que não ofenda pela vulgaridade´´. Continua ela, falando à sobrinha.

Matilde é dona de um elegante e conceituado antiquário em Lisboa, que herdou de sua família. Quando está na loja recebe qualquer cliente com generosidade e sorriso genuíno. 

Usa o mesmo tom de voz para explicar quem eram os bons gravadores, a impossibilidade de se encontrar uma Nossa Senhora de Fátima do século XVIII, o baixo valor dos retratos (mesmo sendo um Columbano), ou que não há tamanho  quando se fala de vasos chineses da dinastia Ming... 

A vida lhe foi  generosa. Financeiramente desafogada, socialmente rica, saudável, elegante e vigorosa.
Uma vez por mês Matilde pega seu carro – um Mercedes discreto, preto – e segue para fora de Lisboa e ...

 (continua semana que vem!!!!).