O pagode, o vizinho e a bola de cristal

    Meu vizinho do prédio do lado tem uma simpática cobertura, com uma singela piscina e uma churrasqueira hermosa. O problema é que ele gosta de ... pagode. E gosta de escutá-lo bem alto. Não, não é um samba de raiz, ou um sertanejo da gema. É pagode messsssmo. E como ele fica em casa nos fins de semana, ele acha que de manhã é o melhor horário para rodar um CD no volume máximo! Enquanto o som berra no super potente alto-falante, o sujeito calmamente tempera uma carne, limpa a piscina, ou passa bronzeador! Oi, oi, oi, o Divino é aqui!
   Bom, hoje de manhã, talvez inspirado pelo horário de verão, o cidadão lascou um Arlindo Cruz no 20!
   Os moradores do meu prédio não sabiam mais o que fazer: convocar uma reunião, ligar para o síndico do prédio ao lado, fazer uma assembléia extraordinária.
Como tenho uma imaginação para lá de fértil, fiquei pensando em várias sugestões - não vou contar aqui, porque correria o sério risco de vocês não lerem mais este blog. Uma delas foi escrever um cartaz pedindo para abaixar o som.
    Meu marido, que tem infinitamente mais bom senso do que eu, me disse: ''Kika, porque você não  pede logo pra ele abaixar o som? É mais fácil e menos constrangedor do que um cartaz na janela...''
   Achei até que a ideia podia ser boa, embora eu duvidasse que o camarada fosse me atender. Mas cheguei lá fora, acenei para a cobertura dele,  abri meu melhor sorriso, joguei a cabecinha de lado e dei três piscadelas: ''Escuta, será que você podia, por favor, abaixar o som? É que tá meio alto...'' falei com voz doce, meiga e suave.
E sabem o que ele respondeu????
Ahá, conto amanhã!
Tô brincando!

Para o meu total espanto e de todo mundo do meu prédio,  ele disse: ''claro! Pô, desculpa aí...'' E abaixou o batuque na hora!
Porque estou contando isso?  Porque fico pensando: porque não podemos ser simplesmente diretos em tudo na vida?  Falar sem rodeios, sem melindres? Porque sempre achamos que o  outro tem uma bola de cristal poderosa que adivinha o que estamos pensando ou querendo? Porque não chegar logo na lata: ''gosto de você'', ou ''não gostei do que você fez'', ou ''queria que você tivesse feito isso''? Não seria tudo infinitamente mais fácil? Porque temos que ser tão cheio de ''não me toques''? Porque temos que ter medo de conversar? Porque temos que ser tão complicados?

Vai saber...