Patricia Villela Marino


Toda quinta-feira, às 7 horas da manhã, a empresária e advogada Patrícia Rieper Leandrini Villela Marino, acompanhada por quatro voluntárias, encara uma viagem de 145 quilômetros rumo à Penitenciária Feminina 2 de Tremembé. Lá, ela verifica o andamento do mais novo projeto do Humanitas360 (H360), instituto que criou em março de 2015, voltado ao combate à violência.
Este projeto é uma cooperativa de presas que  produz artesanato de segunda a sexta, em uma jornada de trabalho de oito horas por dia. A organização fornece todo o material, além de oferecer aulas de arte, corte, costura, crochê, tricô e design. Ao contrário do que ocorre em outros presídios, a detenta recebe de acordo com sua capacidade de produção — a renda dos artigos comercializados é dividida entre as participantes. Além disso, elas têm a possibilidade de seguir no programa após ganhar a liberdade.
Patrícia é uma mulher admirável. Podia estar deitada em berço esplendido, vendo a vida de camarote (mais precisamente do alto de seu deslumbrante apartamento no Morumbi, recheado de obras de Marc Chagall e outros grandes artistas). Mas resolveu, como poucas, não deixar a vida passar em branco.
Aos 47 anos, casada há vinte com o herdeiro e  presidente do Conselho de Administração do Itaú para a América Latina, Ricardo Villela Marino, Patrícia  é um oásis num mundo onde filantropia significa fazer um cheque. Em vez de focar seus esforços na educação ou no meio ambiente, ou mesmo em órfãos e mães solteiras, causas com simpatia imediata e zero aresta, ela abraçou dois mundos controversos, em uma sociedade que ainda engasga ao falar de direitos humanos: o sistema carcerário e sua maior fonte de recrutamento, a política de repressão às drogas. Ambos cercados por estigmas de altos decibéis. “As pessoas precisam entender que os detentos não ficarão enclausurados a vida inteira e que eles devem ser preparados para sair”, diz e a bela.















Se Deus quiser, minhas peças um dia estarão na São Paulo Fashion Week e meus pais verão que tenho jeito”, se emociona Jaqui, um das detentas integradas ao programa. O sonho dela não parece tão distante, uma vez que há conversas de membros do instituto de Patricia com empresários da moda. 
Até o fim do ano, deverá ser criada no semiaberto masculino uma cooperativa de presos para gerir uma horta orgânica. “Queremos dar suporte para implantar iniciativas semelhantes em outros presídios e para que cada uma delas caminhe com as próprias pernas”, completa Patricia animada.

O projeto nas penitenciárias tem lançamento previsto para o próximo dia 16, com um leilão de pelo menos 200 peças confeccionadas pelas presas. Amigos de Patrícia e de seu marido, Ricardo, como o casal de apresentadores Luciano Huck e Angélica, além de Luciana Gimenez, acenaram com a possibilidade de oferecer lances. Uma colcha , por exemplo, custará a partir de 2 000 reais.

Patrícia não abre números, mas estima-se que tenha desembolsado cerca de 50 milhões de reais em mais de dez projetos nos últimos quatro anos. Essa fonte tem um apelido — o “Fundo do Bem”— e é uma aplicação patrimonial que reúne verbas dela, do marido e do filho do casal, Daniel, de 6 anos. Por mês, a família investe cerca de 10% de seus rendimentos em ações sociais. “Nascemos em um cenário privilegiado e temos o dever de contribuir para melhorar a sociedade”, acredita Ricardo Villela Marino. 
Entre os beneficiados, está o Instituto Gerando Falcões, que busca transformar a vida de moradores de bairros carentes por meio de esporte, cultura, qualificação profissional e criação de renda.
Antes de realizar seu trabalho com o sistema carcerário e no coworking social, a empreendedora já atuava com política e em discussões sobre substâncias ilícitas. Em 2011, fundou a Plataforma Latino-Americana de Política de Drogas, junto ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Também assinou textos em que defende a descriminalização da cannabis para uso medicinal, com um enfoque na saúde pública, acompanhada de programas de educação.

“A nossa lei de drogas teoricamente descriminaliza o consumo, mas na prática não estipula quantidades para tipificar o tráfico”, afirma a empresária. “Enquanto uma mulher dos Jardins é liberada ao ser flagrada com uma substância ilegal, uma da periferia com a mesma quantidade vai para a prisão, que não recupera ninguém e só cria ciclos de violência”, compara.

Nos últimos anos, Patrícia apoiou a vinda ao Brasil de autoridades responsáveis pela liberação do uso recreativo da maconha, do Estado americano do Colorado ao Uruguai, para compartilharem os efeitos da experiência. Ainda financiou o documentário Ilegal, sobre uma mãe que lutou pela legalização da cannabis medicinal para tratar a doença de sua filha de 5 anos, vítima de uma epilepsia rara.

Para falar de política, Patrícia lançou em março o Índice de Empoderamento Cívico das Américas, em parceria com a equipe de inteligência da revista inglesa The Economist. Entre seis países, o Brasil ficou em quarto lugar, à frente apenas de Guatemala e Venezuela. “Nossa população valoriza o voto, mas transfere toda a responsabilidade aos políticos, sem se envolver com ações de cidadania, como participar de melhorias do bairro ou mesmo de reuniões de condomínio”, diz Ricardo Anderáos, vice-presidente de operações da H360.

A instituição também lançou um software que analisa todos os documentos da Operação Lava- Jato. “Eu me arrependo amargamente de ter votado no Aécio Neves (PSDB) nas últimas eleições presidenciais”, afirma Patrícia. “Se ele tivesse sido eleito, as investigações não teriam prosseguido”, completa. A empresária não revela seu candidato deste domingo (7), mas observa o cenário com preocupação. “Como a maior parte da população não cobra nem dá importância ao escolher seus representantes no Legislativo, cá estamos de novo em uma eleição presidencial sem um candidato que nos represente”, conclui.







Nestes tempos marcados por slogans de ódio, Patrícia, é claro, também recebe seus petardos. “Volta e meia alguém me chama de ‘esquerdinha’. Para muitos ela é uma revolucionária ou reacionária.
Para mim, ela é um exemplo e uma inspiração.

Filha do ex-deputado estadual Floriano Leandrini, presidente do antigo Banespa entre 1987 e 1991, um dos criadores do então Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ela se interessou pelo jogo governamental ainda na adolescência. Nessa época, fazia questão de ir ao Colégio Arquidiocesano, na Vila Mariana, com a Kombi da campanha de seu pai. “E ainda convocava meus colegas de classe para ajudar a panfletar”, lembra. Pensou em entrar para a política, mas percebeu que faria mais diferença como “cidadã politizada” e formou-se em direito no Mackenzie aos 23 anos.

Dinheiro nunca tirou o sono de sua família: seu avô paterno, Virgílio Leandrini, comprou uma série de lotes onde depois surgiria a cidade de São Caetano do Sul. Hoje seu pai administra dezenas de imóveis na região. “Nunca ostentamos; afinal, a miséria do outro me afeta”, prega a advogada Jane Rieper, mãe de Patrícia. Primeira de três filhos, a empreendedora nasceu na Pro Matre, na Bela Vista, em 28 de outubro de 1970, Dia de São Judas. Promessa de seus pais, comemorou todos os aniversários no orfanato daquela igreja até os 18 anos. “Era uma forma de mostrar quanto ela era privilegiada por ter um lar”, diz o pai.

Para desespero dos avós, muitas vezes Patricia desliga o celular, pega seu filho, Daniel, e o leva para conhecer a ´´vida real´´. ´´Precisamos descer dos nossos pedestais. Isso é viver´´.
São essas Patricias que fazem deste mundo um lugar melhor.



6 comentários:

Anônimo disse...

A miséria do outro deveria afetar a todos nós, e nos mobilizar, sairmos dos condomínios fechados... Mas a elite brasileira, de maneira geral, é brega, inculta, escravocrata e extremamente egoísta.
Essa moça parece ser um bom exemplo. Dinheiro em excesso num país como o nosso, deveria motivar a AÇÃO. Não a omissão.
Ah! Se as pessoas começassem em casa com seus empregados........... tratando-os dignamente............

Francielle disse...

Que post incrível,Kika! Nunca tinha nem ouvido falar da Patrícia, e que mulher maravilhosa. Obrigada por trazer essas informações nesses tempos tão sombrios para o nosso país. Muito bom saber que existem pessoas como ela fazendo um trabalho tão importante.

Anônimo disse...

Conheco tanta gente daqui mesmo, proximas do nosso convívio
que almoça um tipo de comida e faz macarrao para os empregados!
E são pessoas de dinheiro, aceitas como quase celebridades por nossa sociedade hipocrita, onde o que vale é a aparencia!!! Afff!!!!
Aprendam seres humanos prquenos e miseráveis!!!! Mas berço é tudo não é?

Anônimo disse...

Kika,
Estou emocionada. Me fez um bem incrível saber que existem Patrícias no Brasil. Enfim, um sopor de esperança.

Anônimo disse...

O bom trabalho é o que feito sem divulgação de quem o faz. Anônimo.

Anônimo disse...

Depois do seu comentário no instagram (vc sabe bem qual) acho que você pode escrever desde receita de bolo até sobre Gandhi que terei antipatia. Tentei, tentei, mas, não consigo mais, essa é a última visita que faço no seu blog. Até a vitória de Bolsonaro, querida socialista de iphone, como dizem.