Melinda Gates e as mulheres



´´Quando você ergue uma mulher, você ergue a humanidade. Essa é a mensagem do novo livro de Melinda Gates, “The moment of lift” (ainda sem tradução para português).
Para alguns pode parecer uma platitude de uma mulher bilionária, preocupada com a própria reputação. No ambiente polarizado em que vivemos sobram críticas aos que se expõem, aos que decidem falar.
Incisivos nos questionamentos, os críticos investem contra o perfil dos bem-intencionados, seja de um lado ou de outro. Há os que fazem leitura dos fatos à distância, de acordo, é claro, com suas próprias conveniências.
Mas são aqueles que estiveram em campo, que percorreram uma longa jornada, que precisam compartilhar, contar mais sobre o que viram, sobre o que viveram. Ou seja, aquilo que chamamos de mundo real.

A decisão de publicar um livro com histórias, emocionantes ou trágicas, de mulheres que conheceu pelo mundo é de certa forma um desabafo. O desabafo da maior filantropa do mundo, ao lado do marido, o fundador da Microsoft, Bill Gates.






Entre iniciativas pela redução da pobreza, pesquisas em saúde e inovação tecnológica, a Fundação Bill e Melinda Gates já investiu mais de US$ 50 bilhões em ações de filantropia, especialmente em países da Ásia e África. Mas por que um desabafo?
Diante de tanta informação disponível no mundo e a ansiedade geral em consumir o máximo disso, as pessoas temem a inutilidade delas mesmas. Imagina você ter conquistado tanto, chegado onde chegou Melinda Gates, e ao mesmo tempo ser confrontado diariamente com a desigualdade social.
Um mínimo de empatia social, do sentimento de compaixão humana tão urgente no nosso tempo, inevitavelmente levara a estudar, refletir e, mais que tudo, intervir.
Melinda nasceu em uma família de classe média norte-americana. Embora reconheça o privilégio do sobrenome e dos bilhões de dólares em sua conta corrente, não se curva aos que insistem apenas nas curiosidades sobre sua vida pessoal ou sobre sua luxuosa casa de milhões de dólares. Isso ficou claro em entrevista recente que concedeu ao NY Times.
Em seu livro, ela vai ao ponto: meninas e mulheres devem ser prioridade em 2019 e daqui em diante. Em conversas com líderes mundiais, Melinda reforça sempre a evidência de que o investimento em saúde, educação e tecnologia, focado em meninas e mulheres, é a chave para destravar o desenvolvimento, especialmente nos países mais pobres. Isso porque qualquer política pública voltada para mulheres está inexoravelmente dedicada também à próxima geração, ou seja, aos filhos e netos.








O livro de Melinda Gates me reconectou com o trabalho social que fizemos em Minas Gerais, claro, numa proporção bem menor. Senti a mesma ansiedade de dividir com mais pessoas os lugares e as personagens que encontrei neste período.
Projetos sociais me levaram muitas vezes ao Norte e ao extremo Noroeste do Estado. Onde conheci, por exemplo, Maria Madalena dos Santos, uma senhora de meia idade, num assentamento rural, no município de Formoso, a 890 Km de Belo Horizonte.
No semiárido mineiro, numa localidade onde as carências são agudas, Dona Madalena bem poderia ser uma dessas mulheres que Melinda Gates viu pelo mundo. E o cenário é o mesmo dos bolsões de pobreza na Ásia ou na África.
Nele, a cena marcante de uma mulher que, em pleno século XXI, percorre mais de quatro quilômetros, com uma lata d´água na cabeça, em busca do córrego mais próximo para suprir o consumo diário de sua família.
A resiliência dessa mulher, seus sonhos, suas esperanças, não são diferentes de outras mulheres do mundo. Quem encontra esse cenário, quem se depara com a profunda desigualdade no nosso país, quem presencia o abismo que separa mulheres pobres, miseráveis, daquelas de classe média, não consegue mais se afastar daquela questão mais intima, mais profunda: afinal, como posso ser útil?
No Brasil, um número cada vez maior de pessoas, organizadas em milhares de ONGs, se mobiliza com trabalho voluntário em projetos inovadores buscando dar resposta a esse dilema: ser útil e intervir objetivamente nessa realidade angustiante.
Mas, sem dúvida, os maiores avanços na redução da desigualdade social foram obtidos com a adoção de um conjunto de políticas públicas que deram efetivo protagonismo às mulheres, ao colocá-las no comando da renda familiar. O melhor exemplo é o programa Bolsa Família que, nas palavras da ONU, “foi fundamental para retirar o país do Mapa Mundial da Fome”.
Num país complexo e de desigualdade tão profunda quanto a nossa, que a duras penas está encontrando soluções para suas deficiências estruturais, é lamentável assistir ao esvaziamento de iniciativas já internacionalmente reconhecidas como eficientes na melhoria dos indicadores de desenvolvimento humano.
Para além da polarização e do debate sobre a causa feminista, a racionalidade impõe um contraponto aos delírios e discursos ideológicos: o Brasil e o mundo precisam se render à capacidade das mulheres de transformar o nosso futuro. É hora de erguer nossas meninas, nossas mulheres´´.

Carolina Oliveira Pimentel, ex presidente do Servas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pela coragem de falar nestes termos! Muito bom!

Apenas um comentário: é muito importante distinguirmos a diferença entre fazer caridade e ser solidário. Quando se pratica o primeiro, é uma ação vertical, de cima para baixo. No segundo caso, é uma ação horizontal e, somente assim, tem potencial transformador.

Aplausos para a solidariedade!

Abraço,